FERNANDO HONORATO
“O Governo parece sinalizar para a necessidade da retomada do crescimento, sem renunciar à responsabilidade fiscal”
Economista-Chefe do banco Bradesco analisa o atual momento econômico, os desafios, as expectativas em relação aos juros, inflação, PIB brasileiro, consumo e as atividades industriais
Diretor de pesquisas econômicas do Bradesco, Fernando Honorato possui 25 anos de experiência em análises econômicas, tendo graduação e mestrado em economia pela USP e PMD pelo IESE, além disso é Coordenador do Grupo consultivo macroeconômico da ANBIMA – Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais e membro da comunidade de economistas-chefes globais do Fórum Econômico Mundial. Confira a entrevista, exclusiva, cedida à ABRAJEEP PRESS.
ABRAJEEP PRESS: Qual a leitura que se faz do atual momento econômico?
Fernando Honorato – Nos últimos meses, a dinâmica evoluiu positivamente como resultado de perspectivas marginalmente melhores tanto para a economia global quanto para o crescimento doméstico. A desaceleração da atividade econômica global ocorre de maneira menos intensa que a esperada apesar do movimento sincronizado de alta de juros no mundo desenvolvido e emergente. Adicionalmente, o repentino fim das restrições à mobilidade na China vem ocorrendo de forma relativamente bem-sucedida do ponto de vista econômico. No Brasil, o mercado de trabalho segue resiliente e há sinais de alívio para a inflação corrente. Contudo, essa dinâmica de curto prazo diz pouco a respeito da dinâmica futura da economia brasileira.
ABRAJEEP PRESS: O que se pode esperar da economia brasileira e mundial nos próximos anos?
Fernando Honorato – Nosso cenário para a economia brasileira, neste momento, é particularmente dependente de temas de curto e médio prazo. Os efeitos da política monetária mais restritiva sobre a atividade econômica irão prevalecer e os impactos sobre a arrecadação se tornarão cada vez mais visíveis, desafiando o equilíbrio das contas públicas. Assim, a definição de um arcabouço fiscal capaz de garantir a sustentabilidade das contas, bem como, a implementação de uma agenda de crescimento e eficiência, sobretudo sob a forma de uma reforma tributária e investimentos, podem produzir as condições para um processo mais célere de convergência da taxa de juros para patamares menos restritivos, bem como, alterar a percepção quanto à capacidade futura de crescimento do PIB.
No exterior, a melhora da perspectiva para o crescimento chinês é mais do que compensada pelo arrefecimento do resto do mundo, com destaque para os Estados Unidos e a área do Euro. Apesar da melhora na margem, o processo de desinflação ainda requer cautela por parte dos bancos centrais das principais economias do globo. O temor de crise energética na Europa pela Guerra na Ucrânia se reduziu consideravelmente no curto prazo, mas esse tema e outras tensões geopolíticas seguirão no radar ao longo do ano, com impactos sobre a aversão ao risco.
ABRAJEEP PRESS: Quais são, atualmente, os principais desafios a serem enfrentados?
Fernando Honorato – Os principais desafios são a retomada do crescimento com juros baixos e contas públicas equilibradas. Isso irá requerer boa capacidade de mobilização do Governo para sinalizar previsibilidade e avançar na agenda de reformas. Só assim, o País conseguirá alcançar esses três objetivos simultaneamente.
ABRAJEEP PRESS: Sobre as expectativas em relação aos juros. O Banco Central vai estar atento a esta questão?
Fernando Honorato – Ele já está bastante atento. Em nossa avaliação, as dúvidas quanto ao novo regime fiscal e o debate sobre possível mudança na meta de inflação são os principais responsáveis pela desancoragem das expectativas de inflação de médio prazo, tornando o processo de desinflação mais custoso e com taxa de juros média mais elevada nos anos à frente. Assim, acreditamos que a taxa Selic permanecerá em 13,75% pela maior parte do ano, atingindo 12,25% no final deste ano e 9,5% em 2024.
ABRAJEEP PRESS: Qual a previsão da inflação para 2023?
Fernando Honorato – Nossa projeção para o IPCA de 2023 é de 5,7%, ligeiramente abaixo dos 5,8% registrados em 2022 e acima do centro e do teto da meta de inflação, de 3,25% e 4,75%, respectivamente.
ABRAJEEP PRESS: Qual a estimativa para o PIB brasileiro?
Fernando Honorato – Acreditamos que o PIB brasileiro tenha crescido 3% em 2022 e que crescerá 1,5% neste ano.
ABRAJEEP PRESS: Quais devem ser as prioridades do novo Governo quando falamos em economia?
Fernando Honorato – O Governo parece sinalizar para a necessidade da retomada do crescimento, sem renunciar à responsabilidade fiscal. Para isso, deve haver ações de aumento do salário mínimo, desoneração do IRPF, renegociação de dívidas de pessoas físicas, aumento dos investimentos públicos e do papel das empresas e bancos estatais, em paralelo ao anúncio de uma novo marco fiscal e da reforma tributária.
ABRAJEEP PRESS: Reforma tributária. Qual a urgência deste tema? Há ambiente político para isso?
Fernando Honorato – A reforma tributária, juntamente à definição do novo arcabouço fiscal e das metas de inflação, devem preencher boa parte do debate econômico de 2023. Uma boa reforma pode garantir ganhos relevantes de eficiência para a economia brasileira, que devem se refletir sobre o crescimento potencial de longo prazo. No entanto, a tramitação da matéria tende a ser desafiadora dada a complexidade do tema.
ABRAJEEP PRESS: Sobre arcabouço fiscal. O teto de gastos não foi cumprido. Por que não deu certo? Qual o caminho?
Fernando Honorato – A previsibilidade e o controle das contas públicas, bem como, a introdução de uma âncora fiscal crível são fundamentais para desencadear um processo mais célere de reversão da política monetária restritiva. Uma vez garantida, a sustentabilidade fiscal deve alterar a percepção da capacidade futura de crescimento do PIB brasileiro. Após a crise de 2015 -16, a situação fiscal do País vinha gradualmente convergindo para patamares sustentáveis. Contudo, a ampliação de gastos dos últimos anos, em especial por conta da pandemia, aumentou a urgência e os desafios em torno do debate fiscal.
ABRAJEEP PRESS: Recentemente, a Fiesp divulgou que prevê queda de 0,5% da produção da indústria brasileira, em 2023. Qual a sua análise em relação às atividades industriais neste ano e, em especial, da indústria automotiva?
Fernando Honorato – Por um lado, a indústria ainda opera com níveis de estoques muito inferiores aos observados antes da pandemia, o que poderia desencadear um processo de recomposição destes. No entanto, a incerteza com a demanda futura, os juros em território contracionista e a baixa visibilidade sobre os temas estruturais do País tendem a manter a indústria em ritmo lento. Projetamos queda de 0,6% da produção industrial neste ano.
No caso da indústria automotiva, a melhora das cadeias de suprimentos é evidente, embora a escassez de semicondutores não esteja completamente superada. Para este ano, esperamos que a demanda seja o elemento mais desafiador para o setor, que deverá refletir, além dos fatores conjunturais já citados, temas relacionados às mudanças estruturais do próprio mercado de automóveis, como a mudança de preferência dos consumidores pelos modelos de veículos.
ABRAJEEP PRESS – Como deve se comportar o consumo dos brasileiros ao longo deste e dos próximos anos?
Fernando Honorato – A dinâmica de curto prazo do consumo segue relativamente favorável, o que deve ser reflexo do mercado de trabalho ainda aquecido. O endividamento das famílias ainda é um tema, mas que deve começar a ser equacionado em breve.